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Perturbações de eliminação na infância: enurese noturna.

O controlo das funções fisiológicas é uma tarefa que vai sendo, progressivamente, adquirida pelas crianças. Geralmente não apresentam grandes dificuldades. A aquisição do controlo dos esfíncteres faz parte do processo de desenvolvimento, nomeadamente no período pré-escolar (entre os 2 e os 4 anos de idade). A criança vai adquirindo esse controlo, assim como se vai tornando mais autónoma noutro tipo de tarefas (por exemplo, sono e alimentação) e vai interiorizando regras e rotinas de cuidados de higiene. Portanto, o controlo esfincteriano é um processo que exige maturidade fisiológica, desenvolvimento cognitivo e socioafetivo, assim como competências de autorregulação e controlo comportamental (Barros, L. 2004).

Neste texto, irei abordar um tipo específico de perturbação de eliminação: a enurese. Focar-me-ei, sobretudo, na enurese noturna. Uma luta árdua, contra o “xixi na cama”, que tantos pais e crianças enfrentam.

A enurese poderá ser noturna, diurna ou noturna e diurna. No caso específico da enurese noturna, trata-se de uma disfunção que se manifesta através da perda involuntária de urina durante a noite, desajustada em relação à idade da criança ou grau de desenvolvimento. Normalmente, a enurese noturna é o subtipo mais frequente e ocorre durante o primeiro terço da noite, na fase de movimentos oculares rápidos do sono. Para se caracterizar como enurese, os “acidentes” terão que ocorrer, pelo menos, duas vezes por semana, num período de três meses consecutivos, em crianças com mais de 5 anos de idade.

A enurese noturna pode, ainda, ser classificada em dois tipos: primária e secundária. A enurese primária (mais frequente em rapazes) ocorre quando a criança nunca estabeleceu a continência urinária durante a noite, e tem início por volta dos 5 anos de idade, com tendência a remitir com a idade. A enurese secundária (mais frequente em raparigas) desenvolve-se após a criança estabelecer a continência urinária (durante cerca de 6 meses), passando, repentinamente, a molhar a cama com alguma frequência. Tem início entre os 5 e os 8 anos, não remite com a idade e poderá surgir associada a problemas de ordem emocional.

Esta problemática gera um forte impacto no quotidiano da criança e da família, apontando-se como principais causas / factores de risco:

- Fatores biológicos: a predisposição genética (maior risco em crianças que tiveram ambos ou um dos pais enuréticos, ou familiar de 1º grau), imaturidade biológica (bexiga mais pequena que conduz a uma capacidade de retenção diminuída), menor capacidade funcional da bexiga e /ou dificuldades ao nível do sono (sono profundo);

- Fatores psicossociais: aprendizagem inadequada das rotinas de higiene (reforços inadequados, estímulos aversivos) e /ou existência de situações que podem ser fonte de stress para a criança (entrada na escola, hospitalizações, separação dos pais, entre outros).

Consultar o pediatra é muito importante para despistar a existência de sintomas fisiológicos associados a eventuais causas orgânicas (infecção urinária, por exemplo). É fulcral assegurar que as perdas de urina não se devem exclusivamente ao efeito direto de uma substância (um diurético, por exemplo), ou de uma condição médica geral.

A enurese noturna tem tratamento?

Sim. Apesar de não ser possível prever antecipadamente a ocorrência da enurese, há tratamentos disponíveis e eficazes, os quais exigem o envolvimento, compromisso e colaboração conjunta de profissionais, pais e criança para o sucesso da intervenção.

Os tratamentos são implementados nos casos de crianças com mais de 7 anos de idade, podendo assumir diferentes abordagens:

- Tratamentos farmacológicos: menor taxa de sucesso e mais recaídas;

- Metodologias psicológicas (abordagem comportamental): maior taxa de sucesso e menor proporção de recaídas face à medicação. No que respeita à intervenção psicológica, encontram-se como recursos disponíveis: a psicoterapia, programas de treino de retenção urinária, exercícios de interrupção da micção (“treinar a bexiga”), métodos de recompensa, método do alarme, entre outros.

Neste sentido, recomenda-se, a par do acompanhamento médico, a procura de um psicólogo para ajudar nestas questões e implementar o tipo de intervenção mais adequada.

Pais: como atuar?

Nem sempre é fácil lidar com a enurese nocturna. Frequentemente, pais e crianças enfrentam dificuldades em aceitar e saber como melhor atuar quando os “acidentes” acontecem repetidamente, noite após noite. Mesmo em fase de tratamento, em que se registam evoluções, é necessário estar-se preparado para as potenciais recaídas. O envolvimento dos pais é uma peça-chave no tratamento da enurese nocturna, devendo ajudar a criança a ultrapassar a situação, tomando os cuidados necessários para não transformar os episódios numa situação traumática:

- Explique que há muitos meninos e meninas da mesma idade com o mesmo problema e que conseguem ultrapassá-lo;

- Limite a ingestão de líquidos a partir do final da tarde;

- Estabeleça uma rotina noturna que inclua a ida à casa de banho antes de deitar, fazendo-o sempre à mesma hora;

- Crie um sistema de registo semanal das “noites secas” e “noites molhadas”, de modo a ir monitorizando o processo e responsabilize a criança pelo preenchimento (com supervisão);

- Não castigue a criança, nem a culpe por ter molhado a cama, pois tal é contraproducente. Recompense pelos sucessos que vai alcançando;

- Crie um sistema de recompensas, atribuindo prémios simbólicos por cada noite em que a criança não molha a cama. (Poderá atribuir um prémio “maior”/mais significativo ao fim de um número estipulado de “noites secas”);

- Envolva a criança nas tarefas de muda da roupa da cama e do pijama. Desperte-a, se for necessário. Desta forma, estará a criar espaço para a aceitação de que os “acidentes” acontecem ao longo do percurso e a responsabilizá-la (não culpá-la!), através do seu envolvimento no processo, num trabalho de equipa entre pais e criança.

Deixo aqui apenas algumas dicas de como os pais devem atuar. Contudo, as mesmas não substituem a procura de ajuda profissional. Um psicólogo irá analisar cada caso, em particular, transmitindo as ferramentas e estratégias necessárias no sentido da resolução do problema.


Vera Santos

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